O ABRAÇO DE EDGARD GOUVEIA JÚNIOR é quase sufocante. Não só pela força dos seus 2 metros de envergadura, mas também pela paixão que ele não consegue deixar de depositar nem nos mais simples gestos. Essa é a característica das pessoas que ele denomina "chamas": "São indivíduos que te incendeiam, te dão vontade de fazer acon¬tecer", explica. Na última década, Edgard tem se dedicado a despertar essa força nas pessoas. E testemunhado os feitos incríveis de que somos capazes quando nos unimos.
Começou em Santos (SP), sua cidade natal. Edgard e quatro colegas da faculda¬de de arquitetura queriam revitalizar o Museu da Pesca, então em ruínas. Envolveram no trabalho a comunidade do bairro, os amigos, arrecadaram dinheiro fazendo fes¬tas, conseguiram patrocínios... E o prédio foi reaberto, voltando a orgulhar a cidade.
Dessa experiência surgiu o Instituto Elos. cujo objetivo é transformar comunida¬des carentes por meio dos próprios moradores, impulsionados pela energia de jovens articuladores. Para formar essas "chamas", foi criado o curso Guerreiros Sem Armas. E, para colocar a metodologia em prática, surgiu o jogo Oásis, que já mobilizou milhares de pessoas em prol de diferentes causas. Jogo? Sim. Para o jovem Edgard, de 45 anos, só dá para mudar o mundo brincando. É sobre isso que ele fala na entrevista a seguir.
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Como foi a reforma do Museu da Pesca?
Edgard - A idéia surgiu de um grupo de alunos da faculdade. Eles queriam res-taurar o museu, mas teria de ser envol-vendo a comunidade nas decisões ar-quitetônicas e no fazer da reforma. Fui convidado a participar e aceitei. Come-çamos com cinco pessoas e terminamos com 100. O resultado foi tão bom que um grupo de estudantes e professores de arquitetura de países vizinhos veio para cá descobrir como a gente tinha conse-guido todo esse engajamento. Para expli¬car, criamos um curso de um mês, com jovens estudantes, que ia para dentro das comunidades diagnosticar os problemas e propor soluções conjuntas. Esse curso virou o Guerreiros Sem Armas.
E como é o Guerreiros Sem Armas hoje? Edgard - A gente escolhe uma comuni-dade desassistida e mapeamos seus re-cursos: os talentos humanos, os mate-riais, as instituições (uma serralheria. um mercado, uma escola...). O segundo pas¬so é conversar com as pessoas, estabe-lecer uma conexão afetiva. Perguntamos quais são os sonhos delas. É engraçado que a maioria pensa primeiro em bens materiais e individuais. Mas, então, a pes¬soa suspira, até muda o tom de voz e diz algo assim: "O que eu queria mesmo é que as crianças daqui fossem felizes".
E como se torna isso realidade? Edgard - Se o sonho é fazer as crianças felizes, a gente pensa um espaço em que isso pode se concretizar. Como um cam-pinho de futebol. Fazemos uma maque-te e então chega a hora do milagre: te¬mos de transformá-la em realidade em cinco dias. Para isso, buscamos doações, chamamos os amigos, contamos com a colaboração de parceiros na comuni-dade e nos arredores. Restos de madei¬ra que iriam para o lixo. por exemplo, podem virar parede de creche! Com re-aproveitamento, o entusiasmo é ainda maior. E quando o sonho vira realidade, a gente faz uma festa. Porque milagres têm mesmo de ser comemorados.
Quem pode participar? Edgard - Jovens que tenham a inquie-tude de mudar o mundo. São 30 dias de imersão, com treinamento e pales-tras. Mas, antes disso, há um processo seletivo de três meses, o que inclui uma formação para que o jovem possa cap¬tar por si mesmo o dinheiro para pagar o valor do curso, que é de 5 mil reais por pessoa. Uma menina, por exem-plo, conseguiu a quantia prestando ser-viço para uma empresa, com base nos conhecimentos que obteve na capaci-tação. A gente aceita pagamento pos-terior, parcela, faz qualquer negócio. E
quem não pode pagar ganha uma bol¬sa, porque dinheiro não pode impedir os jovens de se tornar guerreiros.
O que é o jogo Oásis? Edgard - É a forma mais ágil e barata de disseminar nossa metodologia. O me¬lhor exemplo aconteceu em 2009. San¬ta Catarina ainda sofria com as enchen-tes do ano anterior, e, para ajudar a levar esperança e reconstruir as cidades, deci-dimos lançar um desafio aos jovens que haviam participado do Guerreiros Sem Armas daquele ano. Gente de todo o país comprou a idéia e se juntou a eles. Mon-tamos uma plataforma grátis, pela inter¬net, em que as pessoas poderiam se ins-crever, em grupos. Como numa gincana, cada time devia mobilizar pessoas e cap¬tar recursos para bancar sua ida a San¬ta Catarina. Os melhores foram para lá. onde participaram de uma formação de dois dias. Depois, as equipes se dividi-ram e foram atuar em 12 comunidades de seis cidades. Em cada uma delas, des-cobrimos o sonho coletivo e tivemos cin¬co dias para colocá-lo em prática.
Dê um exemplo desses sonhos. Edgard - Uma ponte! Disseram que era impossível, mas a comunidade fez em apenas um dia, tirando dúvidas com en-genheiros de outros times pela internet. Em cinco dias, construímos 43 equipa-mentos comunitários. E os Oásis foram se expandindo. Nos quatro meses se-guintes, foram 90, espalhados pelo Bra¬sil e pelo mundo: Peru, Dinamarca, Suécia, Zimbábue, China, índia...
Então, dá mesmo para mudar o mundo brincando?
Edgard - Claro! Na verdade, é a única maneira. Só brincando somos capazes de voltar a ser crianças, nos despren-der dos preconceitos e ativar o que há de melhor em nós mesmos para jogarmos juntos. Se você chama os amigos para trabalhar, fica difícil. Mas chamar para brincar é muito melhor, né? ®