quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sobre a ANPAD

MENSAGEM DA PRESIDÊNCIA
O desenvolvimento da ANPAD em seus pouco mais de 30 anos de existência tem sido notável. A trajetória é de meia centena de trabalhos em seus primeiros eventos até cerca de 5 mil nos dias atuais. Esse montante está distribuído em cinco encontros anuais: o EnANPAD, que congrega todas as áreas de conhecimento da Associação, e quatro eventos específicos de divisões acadêmicas.
Não deixa de ser interessante observar que, em termos quantitativos, o crescimento do número de trabalhos submetidos foi contínuo até o ano de 2005. De 2006 para cá, as submissões estabilizaram em torno de 5 mil ao ano na soma dos cinco eventos. No que se refere ao EnANPAD, especificamente, as submissões vêm se situando, desde 2004, pouco acima de 3 mil trabalhos anuais. Neste ano foram submetidos 3.275, dos quais foram selecionados 909.
Ao que parece, essa estabilização está relacionada ao ritmo de expansão da pós-graduação stricto sensu em administração e contabilidade no Brasil. De meados dos anos 90 do século passado até 2006, o número de programas triplicou. Nos últimos três anos, a criação de novos programas tem sido incremental, como revelam os registros de recomendação de novos cursos pela CAPES.
A acomodação do montante de trabalhos nesses patamares também pode significar que o crescimento quantitativo está se fazendo acompanhar de evolução qualitativa. Não dispomos de indicadores objetivos para asseverar tal possibilidade, mas se considerarmos as avaliações realizadas nas diversas áreas de conhecimento nos campos de administração e contabilidade pode estar se verificando uma melhoria qualitativa dos trabalhos produzidos no país.
No entanto, por mais que esteja ocorrendo uma inflexão no sentido de evolução qualitativa dos trabalhos submetidos aos eventos da ANPAD, ela precisa avançar bem mais profunda e fortemente. Elevações constantes e substanciais do nível de qualidade dos trabalhos acadêmicos produzidos nos campos da administração e da contabilidade no país são necessárias e prementes. Tanto dos trabalhos em processo de construção, que são aqueles preparados para apresentação em congressos acadêmicos, como dos artigos publicados em periódicos científicos. Não se deve esquecer, também, de livros e capítulos de livros.
Qualidade, que sempre deve ser crucial, é a palavra-chave do atual momento de desenvolvimento da produção científica brasileira. Cada um de nós, autores de trabalhos científicos, precisa refletir nessa direção, ainda que a preocupação com qualidade implique diminuir quantitativamente a nossa própria produção de obras acadêmicas. Não há sombra de dúvida de que é preferível produzir menos com mais qualidade. Devemos mudar o conteúdo de nossos questionamentos aos nossos colegas, ou seja, não mais perguntar quantos trabalhos produziram em determinado ano ou período, mas sim se eles e a comunidade acadêmica estão satisfeitos com a qualidade de suas obras científicas.
Em suma, se produziram porque tinham algo a dizer e não, pura e simplesmente, optaram por acumular quantidade. Aqui cabe uma observação relevante. Fala-se muito por aí que o quantitativo da produção científica em nossa área decorre de exigência da CAPES. A interpretação está claramente equivocada. A média trienal de produção científica requerida pela CAPES de cada docente é de 150 pontos, isto é, um único artigo publicado anualmente em um periódico classificado como de nível B2. Três artigos em um triênio, portanto, o que é bem razoável. Desse modo, o que parece efetivamente se verificar é que a cultura produtivista das áreas de administração e contabilidade leva a que nos preocupemos em publicar muitos artigos todos os anos, chegando, em alguns casos, a se contabilizar por dezenas. É equívoco não apenas de interpretação, mas, sobretudo, de consideração do que vem a ser qualidade científica.
Qualidade científica está relacionada com a avaliação. E avaliação de trabalhos acadêmicos vem sendo já há muitos anos o calcanhar-de-aquiles não só dos eventos científicos promovidos pela ANPAD, mas também dos periódicos científicos em nosso país. Há vários fatores que interferem na avaliação de artigos científicos. Gostaria de chamar a atenção para três deles, que estão intimamente relacionados: consciência, competência e disponibilidade.
Consciência tem a ver com a dimensão ética de se considerar corresponsável pela comunidade acadêmica de que faz parte. Como tal implica atuar de maneira dedicada e responsável pelo desenvolvimento dessa comunidade. Significa integrar uma rede de relacionamento com pares, colhendo tanto os benefícios como aceitando os encargos decorrentes. Quem é possuidor dessa consciência está aberto para realizar um trabalho de avaliação sério e comprometido, em razão do respeito que nutre pelos seus pares e pela comunidade acadêmica de pertencimento. A preocupação fundamental é com a evolução contínua da qualidade da produção científica em seu campo de conhecimento e aplicação.
Competência tem a ver com a capacidade de se reconhecer como um profissional que possui certo nível de maestria, mas que não se coloca em um patamar inatingível. Como não se considera dono da verdade, está continuamente aberto para aprender como avaliar melhor os trabalhos científicos que lhe chegam às mãos. Em decorrência, considera importante trocar ideias com os seus pares sobre critérios de avaliação e sobre a maneira de utilizá-los. Entende que a discussão desses critérios possibilita a sua evolução como avaliador, uma vez que considera a atividade de avaliar como um processo recorrente de aprendizagem. Valoriza diferentes interpretações da realidade, desde que elas atendam, consistentemente, à prática científica em conformidade com suas diversas acepções e possibilidades.
Disponibilidade tem a ver com o tempo necessário para realizar a atividade de avaliação de trabalhos científicos. Em um país como o Brasil, em que acadêmicos fazem de tudo um pouco, a disponibilidade usualmente é precária. Os pedidos de avaliação são numerosos e o tempo é escasso. Contudo, alguém já disse que ter tempo para realizar uma tarefa é uma questão de escolha. Como tal, passa a ser algo que se deve saber como tratar com base no que se valoriza. Os três fatores acima, adequadamente considerados, remetem à importância que é preciso atribuir ao processo e aos resultados da produção científica brasileira em administração e contabilidade. É absolutamente necessário o exercício da crítica à nossa produção científica no atual estágio de desenvolvimento da comunidade acadêmica nacional. Não é mais possível adiar o uso e a análise da nossa produção nas atividades de ensino e pesquisa no país. A publicação de artigos em periódicos nacionais e estrangeiros precisa conter citações de autores brasileiros. É indispensável que nos conheçamos melhor e que nos façamos conhecer além das nossas fronteiras territoriais e intelectuais. Marcar posição como comunidade acadêmica requer o nosso próprio reconhecimento de que somos uma comunidade acadêmica.
Nesse sentido, as mudanças realizadas na lógica de funcionamento das divisões acadêmicas da ANPAD visam a propiciar maior envolvimento dos integrantes da nossa comunidade tanto na avaliação como no uso cotidiano desse conhecimento. A adoção de temas de interesse, além de facilitar a avaliação de trabalhos científicos, deve auxiliar, com o decorrer do tempo, a formação de redes de relacionamentos nos diversos campos de conhecimento da administração e contabilidade.
Na linha de qualquer mudança complexa, a lista de temas de interesse vai precisar sofrer ajustes com o transcorrer do tempo: alguns temas serão mantidos na forma como estão, outros serão aperfeiçoados, outros vão desaparecer e ainda outros vão emergir. Além disso, a adição de descritores para cada tema de interesse, a partir dos eventos de 2010, vai auxiliar o nosso entendimento tanto para submissão de trabalhos como para a escolha de avaliadores que possam atuar de forma cada vez mais consistente.
É preciso considerar a possibilidade de tornar factível a realização de workshops para avaliadores de trabalhos científicos. Com base no entendimento de que avaliar é um processo recorrente de aprendizagem, oficinas de trabalhos podem ser interessantes para o seu aprimoramento. A simples troca de informações sobre o entendimento de cada um dos itens da ficha de avaliação já pode significar um bom passo em direção ao aperfeiçoamento de uma atividade tão criticada, mas, efetivamente, pouco debatida.
Nesse sentido, uma primeira iniciativa para o avanço do nível de qualidade da avaliação de trabalhos acadêmicos pela via democrática de participação e envolvimento já está sendo propiciada com a alocação das quartas-feiras nos EnANPADs como locus de troca de ideias e de debates. Entendemos, obviamente, que o processo de aprimoramento da avaliação de obras científicas é gradual, difícil e requer o envolvimento da comunidade mediante participação comprometida nas Divisões Acadêmicas da ANPAD. Todavia, é inadiável.
Para finalizar esta mensagem, gostaria de agradecer, em nome da Diretoria da ANPAD, a todos aqueles que contribuíram para a realização do evento. Nessa linha, cabe especial destaque aos coordenadores das Divisões Acadêmicas, membros dos Comitês Científicos, líderes de temas, avaliadores de trabalhos e autores pelo denodado esforço em direção ao aprimoramento das ciências administrativas e contábeis no Brasil. Como já disse em outra oportunidade, uma comunidade acadêmica é forjada na labuta séria e cotidiana de muitos e demanda tempo para que se alcancem patamares de excelência.

Clóvis L. Machado-da-SilvaPresidente da ANPAD

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